sábado, 22 de agosto de 2009

RESPOSTA DUM HOMEM DO MUNDO DE 1978: JÚLIO ROBERTO




Ao ler a carta do Chefe Seattle, talvez muitas pessoas tenham formulado no pensamento,uma forma de resposta, principalmente porque os fatos ocorreram e se precipitaram no rumo da destruição. Uma resposta, pelo menos foi escrita. É quase um lamento pelo homem, sua terra, seu destino.

Amigo Seattle:

Li a sua carta escrita em 1854 ao grande Chefe Branco de Washington.
Sou um homem de 1978 que vive num mundo, como tu previste, em decadência e destruição.
Já não ouço o sussurrar do vento nem a discussão noturna das rãs nos charcos da selva. Já nem temos selva.
As flores murcharam, ás arvore agonizam, os pássaros fogem e os insetos deixam de zumbir.
Bem sei que sou um homem enjaulado numa cidade e tu vivias nas pradarias, lá os bisontes e noitibós te alimentavam o corpo e a alma.
Os rios, para ti sagrados, são hoje para mim apenas uma viagem de infância. Neles em vez de peixes fazendo corridas e acrobacias, eu vejo o lixo da nossa civilização, os detritos deste mundo, as opulências mortas de uma humanidade que se afunda vertiginosamente na era do plástico.
Olho as estrelas e o luar. Parecem mais distantes do que são, e os meus olhos desabituados já de os observar, cansam-se facilmente. Não tenho, como tu tinhas, esse poder de olhar de frente o sol, de receber a sua luz e o seu calor sem me cegar.
As águias, vi uma ou outra, como se fossem já animais pré-históricos, aturdidas e confusas, sem perceber o que fizemos desta Terra.
Meu amigo Seattle, a tua carta é já de agora.
Tu não tiveste automóvel, nem indústrias, nem chauffage, nem televisão, nem jornais, nem os bens da civilização. Não soubeste o que é voar num avião a jato, a 1000 km por hora. Também não tinhas pressa.
Não soubeste o que é ir à Lua. Também não precisavas.
Não soubeste também, de certeza, o que é procurar na noite o repouso cansativo duma diversão barulhenta a que chamam de música, é onde a angustia é a única sensação que fica. Tu sabias lá o que era angústia.
Vivo na cidade, nestes monstros de pedra, ruas, barulhos e gente aos gritos, a correr e a atropelar-se, para, ao que dizem, ganhar a vida. Certamente tu dirias para a perder.
Mesmo aquela relva que, às vezes, ainda havia nas cidades, vai desaparecendo. As árvores que já depois de tu escreveres a tua carta, ainda enfeitavam os lados das ruas, vão desaparecendo. Sabes por quê? Porque é preciso alargar as pistas para os automóveis, pois, segundo dizem, circular é viver.
E o mar, esse, sobretudo o que vinha dantes banhar as nossas praias e namorar a areia branca, vem agora suja-la, com o lixo que lhe deitam dentro. Tem um ar triste, de um mendigo que,as vezes, se revolta e destrói as grandes construções dos nossos engenheiros.
Ah! Meu querido amigo selvagem! Como eu, que não vivi no seu tempo, nem das tuas pradarias, tenho saudade da tua Terra sagrada, (...)


Apud: Poema ecológico. Lisboa, Edições Itau, 1978

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