Trajetória da Educação de jovens e adultos

Ivonete Maciel Sacramento dos Santos*
Resumo
Este artigo apresenta a trajetória da educação de jovens e adultos no Brasil estabelecendo relações com os diversos contextos históricos a partir das políticas públicas implementadas desde a Colônia até os dias atuais e identificando os mecanismos de acesso, permanência ou exclusão nessa modalidade de ensino no que diz respeito à educação formal. A análise efetuada mostra que a educação de jovens e adultos no Brasil tem caráter discriminatório e assistencialista, e aponta o que está sendo feito para promover a inclusão dos indivíduos que nela estão inseridos.
A visão do analfabeto como um indivíduo alienado, incapaz, ignorante, à margem das decisões da sociedade e do poder construída ao longo da nossa história, continua influenciando a maneira pela qual os poderes públicos tratam a questão da educação de jovens e adultos, sua inclusão na sociedade e inserção no mundo do trabalho. São várias investidas em campanhas e programas que não tiveram êxito pelo seu caráter emergencial, e na maioria das vezes assistencialista.
Este texto pretende percorrer a trajetória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil do Período Colonial aos nossos dias, analisando as ações do poder público para com esta modalidade de ensino.
*Pedagoga, Psicopedagoga, Técnica da Coordenação de Ensino Médio da Secretaria da Educação do Estado da Bahia, Concluinte do Curso de Especialização – CEPROEJA - Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia – net.escola@hotmail.com
A educação de jovens e adultos
A educação de jovens e adultos (EJA) no Brasil (...) é marcada pela descontinuidade e por tênues políticas públicas, insuficientes para dar conta da demanda potencial e do cumprimento do direito, nos termos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Essas políticas são, muitas vezes, resultantes de iniciativas individuais ou de grupos isolados, especialmente no âmbito da alfabetização, que se somam às iniciativas do Estado. (Documento base PROEJA-2005)
Nos períodos de Colônia e Império, os jesuítas dominaram a educação, com a intenção de difundir o catolicismo e dar educação à elite colonizadora, a quem se oferecia uma educação humanística. Esse domínio compactuava com os interesses do regime político que visava à manutenção da ordem. Na Europa, com o crescente movimento da Reforma, paralelo às idéias modernas inspiradas no Iluminismo, a Companhia de Jesus tratou de afastar as atividades criadoras presentes naquele continente e, transmitia, em seus ensinamentos no Brasil, os severos dogmas católicos, o que possibilitou a destruição de culturas inteiras.
Pode-se afirmar que, desde a chegada dos portugueses ao Brasil, o ensino do ler e escrever aos adultos indígenas, ao lado da catequese constituiu-se de uma ação prioritária no interior do processo de colonização. Embora os jesuítas (...) priorizassem a sua ação junto às crianças, os indígenas adultos foram também submetidos a uma intensa ação cultural e educacional. (Stephanou, 2005a).
Os filhos dos colonos e os mestiços também recebiam instruções dos jesuítas, através dos subprodutos das escolas de ordenação criadas pelo Padre Manoel da Nóbrega. No séc. XVIII, os jesuítas contavam com 17 colégios e seminários, 25 residências e 36 missões, além dos seminários menores e das escolas de alfabetização presentes em quase todo o território.
Os colégios de formação religiosa abrigavam os filhos da elite; freqüentavam também os que não queriam se tornar padres, mas que não tinham outra opção a não ser seguir as orientações jesuíticas, que evoluíram para o plano de estudos da Companhia de Jesus, que articulava um curso básico de Humanidades com um de Filosofia seguido por um de Teologia, que, a depender dos recursos, culminava com uma viagem de finalização à Europa.
Segundo Stephanou (2005b), posteriormente, os jesuítas, assim como os membros de outras ordens religiosas, também catequizaram e instruíram escravos. Essas experiências, no entanto, foram menos estudadas e pouco se sabe sobre as práticas desenvolvidas junto a esses sujeitos. Por outro lado, poucas parecem ter sido as experiências educacionais realizadas com mulheres adultas. Poucas sabiam, ao final do período colonial, ler e escrever
A expulsão dos jesuítas e as reformas feitas Pelo Marquês de Pombal, não puseram fim à influência jesuítica no setor educacional, visto que os novos mestres-escola e os preceptores da aristocracia rural foram formados pelos jesuítas; e os mestres leigos das aulas e escolas régias se mostraram incapazes de incorporar a modernidade que norteava a iniciativa pombalina. O processo de substituição dos educadores jesuítas durou treze anos, período em que a uniformidade de sua ação pedagógica foi substituída pela diversidade das disciplinas isoladas. De algum modo, a saída dos jesuítas estabeleceu o ensino público no Brasil.
O Estado passou a controlar financeira ideologicamente a educação, com recursos do Subsídio Literário, porém, teve que conviver com a perpetuação das características da educação colonial jesuítica, já que os novos mestres-escola e os preceptores da aristocracia rural haviam sido formados por jesuítas, e os mestres leigos das aulas e escolas régias não conseguiram acompanhar a modernidade que norteava a iniciativa pombalina.
Stephanou (2005c), relata que período que se segue à expulsão dos jesuítas parece não ter conhecido experiências sistemáticas e significativas em relação à alfabetização de adultos. A ênfase pombalina estava no ensino secundário, organizado através do sistema de aulas régias.
Tanto no período jesuítico como no pombalino, a maioria da população não tem acesso à educação formal. O panorama educacional começou a mudar positivamente com a chegada da Corte Portuguesa, em 1808. Objetivando atender as expectativas de um governo imperial, foram criados vários cursos, tanto profissionalizantes em nível médio como em nível superior, bem como militares. Implantou-se o ensino superior – Curso de Cirurgia na Bahia e o Curso de Cirurgia e Anatomia no Rio de Janeiro (1808) e, mais tarde, o Curso de Medicina no Rio de Janeiro.
Estruturado em três níveis: primário – "escola de ler e escrever" -; secundário – "aulas régias" com o acréscimo de novas "cadeiras" – e superior, o ensino no Império era privilégio da elite política. As chamadas "camadas inferiores da sociedade" continuavam alijadas do processo educacional formal. Num país de 14 milhões de habitantes, com cerca de 85% de analfabetos, as iniciativas realizadas no interior do sistema formal eram inferiores, em números, às experiências domésticas e não-formais. "No caso dos adultos, pareciam se multiplicar, sobretudo no espaço urbano" (Stephanou, 2005d).
Por muitos séculos, o ensino no Brasil só se constitui objeto de atenção em seus decretos e leis. A Constituição de 1824, por exemplo, em seu tópico específico para a educação, inspirava um sistema nacional de educação, o que na prática tal fato não se efetivou. O método mútuo, adotado pela lei de outubro de 1827, refletia a desarmonia entre as necessidades educacionais e os objetivos propostos. Nele atuavam pessoas despreparadas revelando a insuficiência de professores, de escolas e de uma organização mínima para a educação nacional.
Durante todo o período imperial houve diversas discussões nas assembléias provinciais, acerca do modo como se dariam os processos de inserção das denominadas "classes inferiores" da sociedade nos processos formais de instrução.
O Ato Adicional de 1834 delegou a responsabilidade da educação básica às Províncias e reservou ao governo imperial os direitos sobre a educação das elites (no Rio de Janeiro e a educação de nível superior). Nessa estrutura, a exceção ficou com o Colégio Pedro II; este, sob a responsabilidade do poder central, deveria servir de modelo às escolas provinciais.
Grande parte das províncias formulou políticas de instrução para jovens e adultos. O documento da Instrução Pública do período faz várias alusões a aulas noturnas ou aulas para adultos em várias delas, a exemplo do Regimento das Escolas de Instrucção Primária em Pernambuco, 1885, que traz com detalhes a prescrições para o funcionamento das escolas destinadas a receber alunos maiores de quinze anos.
O ensino para adultos poderia ser ministrado pelos professores que se dispusessem a dar aulas noturnas de graça, fazendo parecer que este era uma missão; foi criada uma espécie de rede filantrópica das elites para a "regeneração" do povo. Pretendia-se, através da educação, civilizar as camadas populares, vistas como perigosas e degeneradas.
A Lei Saraiva, de 1881, que determinava eleições diretas, foi a primeira a colocar impedimentos, ao lado de outras restrições, como a de renda, aos votos dos analfabetos, reforçando a concepção do analfabeto como ignorante e incapaz.
Para José Honório Rodrigues (1965, apud Stephanou, 2005e), até o final do Império não se havia colocado em dúvida a capacidade do analfabeto, já que era essa a condição da maioria da população, inclusive das elites rurais. A partir desse momento começaram a circular discursos identificando o analfabeto à dependência e incompetência para justificar o veto ao voto do analfabeto.
As mobilizações da sociedade em torno da alfabetização de adultos foram abundantes nas primeiras décadas do século XX, em grande parte, geradas pela vergonha dos intelectuais, com o censo de 1890, que constatou que 80% da população brasileira era analfabeta.Surgiram as "ligas", que se organizaram no interior, a exemplo da Liga Brasileira Contra o analfabetismo, em 1915, no Rio de Janeiro.
Entre as várias mobilizações, surgiu o método de desanalfabetização, desenvolvido por Abner de Brito, que propunha alfabetizar em sete lições. Havia uma disposição de vários segmentos da sociedade de mudar o quadro "vergonhoso", visando a estabilidade da república. Todo o empenho para alfabetizar os adultos não evitou as críticas, como a de Carneiro Leão, que considerava a alfabetização uma arma perigosa, que poderia aumentar o que ele considerava anarquia social.
Paschoal Leme fez a primeira tentativa oficial de organizar o ensino Supletivo nas décadas de 30 e 40, ao mesmo tempo em que surgiram experiências extra-oficiais na alfabetização de adultos, como o uso da Literatura de Cordel e a carta de ABC.
A primeira Lei Orgânica do Ensino Primário (1946) trata da construção de material pedagógico apropriado, guia de leitura e alfabetização. O apelo para o engajamento voluntário e a falta de acúmulo de experiências que dessem suporte às ações governamentais, contribuíram para que a campanha não obtivesse êxito.
Os movimentos de educação e cultura popular nas décadas de 50 e 60, em sua grande maioria foram inspirados em Paulo Freire, utilizando seu método, que propunha uma educação dialógica que valorizasse a cultura popular e a utilização de temas geradores. Esses movimentos procuravam a conscientização, participação e transformação social, por entenderem que o analfabetismo é gerado por uma sociedade injusta e não igualitária.
E 1963, Paulo Freire integrou o grupo para a elaboração do Plano Nacional de Alfabetização junto ao Ministério da Educação, processo interrompido pelo Golpe Militar, que reduziu a alfabetização ao processo de aprender a desenhar o nome. O Governo importou um modelo de alfabetização de adultos dos Estados Unidos, de caráter evangélico: a Cruzada ABC.
Com um conteúdo acrítico e material padronizado, além de não garantir a continuidade dos estudos, o Mobral– Movimento Brasileiro de Alfabetização - criado em 1967, foi mais um programa que fracassou.
Em 1985, na Nova República, nasceu a Fundação Educar, com o objetivo de acompanhar e supervisionar as instituições e secretarias que recebiam recursos para executar seus programas. Foi extinta em 1990, quando ocorreu um período de omissão do governo federal em relação às políticas de alfabetização de jovens e adultos. Contraditoriamente, a Constituição de 1988 estendeu o direito à educação para jovens e adultos.
"a educação é direito de todos e dever do Estado e da família..." (Artigo 205) e ainda, ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive sua oferta garantida para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria. (Constituição Federal de 1988 - Artigo 208).
Em consonância com a Constituição, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece que "O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de ensino, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria". (Artigo 4)
No seu artigo 37, refere-se à educação de jovens e adultos determinando que "A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria". No inciso 1º, deixa clara a intenção de assegurar educação gratuita e de qualidade a esse segmento da população, respeitando a diversidade que nele se apresenta.
Em 1996 foi lançado o PAS - Programa de Alfabetização Solidária - polêmico por utilizar práticas superadas, como o assistencialismo. Em 1998, com o objetivo de atender às populações nas áreas de assentamento, foi fundado o Pronera - Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - e, em 2003, o governo Lula lançou o programa Brasil Alfabetizado, que dá ênfase ao voluntariado, apostando na mobilização da sociedade para resolver o problema do analfabetismo.
Observamos claramente que as políticas para o combate ao analfabetismo e a educação de jovens e adultos, em plenos anos 90, ainda se valem de ações que nos passado levaram ao fracasso os programas implantados.
O desafio imposto para a EJA na atualidade se constitui em reconhecer o direito do jovem/adulto de ser sujeito; mudar radicalmente a maneira como a EJA é concebida e praticada; buscar novas metodologias, considerando os interesses dos jovens e adultos; pensar novas formas de EJA articuladas com o mundo do trabalho; investir seriamente na formação de educadores; e renovar o currículo – interdisciplinar e transversal, entre outras ações, de forma que esta passe a constituir um direito, e não um favor prestado em função da disposição dos governos, da sociedade ou dos empresários.
REFERÊNCIAS
_______. Congresso Nacional. Constituição Federal de 1988.
_______. Congresso Nacional. Lei Federal nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 20 de dezembro de 1996.
LOPES, Eliana Marta. 500 anos de educação no Brasil. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
STEPHANOU, M; BASTOS, M.H.C. História e Memórias da Educação no Brasil - Século XX. Petrópolis, Vozes, 2005.
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A Educação De Jovens E Adultos No Brasil publicado 7/02/2008 por Ivonete Sacramento em http://www.webartigos.com

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