quarta-feira, 18 de novembro de 2009

MULHERES CELTAS



(sem menção do autor)

As mulheres de origem Celta eram criadas tão livremente quanto os homens, A elas era dado o direito de escolherem seus parceiros e nunca poderiam ser forçadas a uma relação que não queriam. Eram ensinadas a trabalhar para que pudessem garantir seu sustento, bem como eram excelentes amantes, donas de casas e mães.

A primeira lição era:
Ama teu homem e o segue, mas somente se ambos representarem um para o outro o que a Deusa Mãe ensinou:
Amor, companheirismo e amizade.”

Jamais permita . . .
Jamais permita que algum homem a escravize: você nasceu livre para amar, e não para ser escrava.

Jamais permita que o seu coração sofra em nome do amor.
Amar é um ato de felicidade, por que sofrer?

Jamais permita que seus olhos derramem lágrimas por alguém que nunca fará você sorrir!

Jamais permita que o uso de seu próprio corpo seja cerceado.
Saiba que o corpo é a moradia do espírito, por que mantê-lo aprisionado?

Jamais se permita ficar horas esperando por alguém que nunca virá,
mesmo tendo prometido!

Jamais permita que o seu nome seja pronunciado em vão por um homem cujo nome você sequer sabe!

Jamais permita que o seu tempo seja desperdiçado com alguém que
nunca terá tempo para você!

Jamais permita ouvir gritos em seus ouvidos.
O Amor é o único que pode falar mais alto!

Jamais permita que paixões desenfreadas transportem você de um mundo real para outro que nunca existiu!

Jamais permita que os outros sonhos se misturem aos seus, fazendo-os virar um grande pesadelo!

Jamais acredite que alguém possa voltar quando nunca esteve presente!

Jamais permita que seu útero gere um filho que nunca terá um pai!

Jamais permita viver na dependência de um homem como se você tivesse nascido inválida

Jamais se ponha linda e maravilhosa a fim de esperar por um homem que não tenha olhos para admirá-la!

Jamais permita que seus pés caminhem em direção a um homem que só vive fugindo de você!

Jamais permita que a dor, a tristeza, a solidão, o ódio, o ressentimento, o ciúme, o remorso e tudo aquilo que possa tirar o brilho dos seus olhos, a dominem, fazendo arrefecer a força que existe dentro de você!

E, sobretudo, jamais permita que você mesma perca a
dignidade de ser MULHER!!!

O POVO



Há no mundo uma raça de homens com instintos sagrados e luminosos, com divinas bondades no coração, com uma inteligência serena e lúcida, com dedicações profundas, cheias de amor pelo trabalho e de adoração pelo bem, que sofrem, que se lamentam em vão.
Estes homens são o Povo
Estes homens estão sob o peso do calor do sol, transidos pelas chuvas, roídos de frio, descalços, mal nutridos; lavram a terra, revolvem-na, gastam a sua vida, a sua força para criar o pão, o alimento de todos.
Estes são o Povo, e são o que nos alimentam.
Estes homens vivem nas fábricas, pálidos, doentes, sem família, sem doces noites, sem um olhar amigo que os console, sem ter o repouso do corpo e a expansão da alma, e fabricam o linho, o pano, a seda, os estofos.
Estes homens são o Povo, e são o que nos vestem.
Estes homens vivem debaixo das minas, sem sol e as doçuras consoladoras da Natureza, respiram mal, comendo pouco, sempre na véspera da morte, rotos, sujos, curvados, e extraem o metal, o minério, o cobre, o ferro e toda a matéria das indústrias.
Estes homens são o Povo, e são os que nos enriquecem.
Estes homens, nos tempos de lutas e de crises, tomam as velhas armas da Pátria, e vão, dormindo mal,com marchas terríveis, à neve, à chuva, ao frio, nos calores pesados, combater e morrer longe dos filhos e das mães, sem ventura, esquecidos, para que nós conservemos o nosso descanso opulento.
Estes homens são o Povo, e são os que nos defendem.
É por isso que os que têm coração e alma, e ama a justiça, devem lutar e combater pelo Povo.
E ainda que não sejam escutados, têm na amizade dele uma consolação suprema.

(José Maria Eça de Queiroz, “O Povo”, em Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, in, Telecurso º grau, pp.329-321)

domingo, 1 de novembro de 2009

A VOLTA DO PÁSSARO ENCANTADO


Rubem Alves

Vocês se lembram? Já contei a estória do Pássaro Encantado de muitas cores, que amava a menina....Mas sempre chegava a hora em que ele dizia:
“É preciso partir, ficar longe por muito tempo, para que a saudade cresça, e dentro dela o encanto!”....
E ele voava....
A menina ficava, e chorava. Até que não mais agüentou a dor da saudade e prendeu o Pássaro numa gaiola de prata, para que nunca mais a deixasse.
Ele ficou, mas murchou. Seus olhos entristeceram e suas cores se apagaram. Acabou também a saudade, e o encanto se foi. A menina entendeu, então, que é preferível a dor da saudade encantada à tristeza de uma presença encarcerada. E abriu a porta da gaiola. O Pássaro voou para muito longe até que a saudade voltasse a crescer.

Um dia ele voltou. Mas estava diferente.
Triste
__Você mudou_ disse a Menina!
__Eu sei, ele respondeu. __Perdi a alegria. Não mais tenho vontade de voar!
__Como foi que isto aconteceu?__perguntou a menina.
__Estou velho. Não sou como era...ele respondeu.
__Quem lhe contou isto?
__O espelho

Com estas palavras, o Pássaro tirou de dentro de suas penas um espelho de ouro e começou a contemplar o seu rosto.
__Não me lembro deste espelho__disse a menina
__Foi presente de alguém! Deixado à minha porta__explicou o Pássaro.

“Como seu Pássaro mudara!”, a Menina pensou. Ela nunca o havia visto se olhando num espelho. Seus olhos estavam sempre cheios de mundos, de montanhas e campos nevados, florestas e mares...Tão cheios de mundos, que não havia neles lugar para sua própria imagem. Mas agora era como se os mundos não mais existissem. Os olhos do Pássaro estavam cheios do seu próprio reflexo. A menina percebeu que o seu Pássaro fora enfeitiçado. Com certeza alguém, com inveja, como a madrasta da Branca de Neve. E que instrumento mais terrível para o feitiço que um espelho? Mais terrível que as gaiolas. De dentro das gaiolas todos querem sair. Mas dentro dos espelhos todos querem ficar.

A menina se entristeceu...E jurou que tudo faria pra quebrar qualquer feitiço.
Mas de feitiços ela nada entendia. Procurou então os conselhos de um velho mago, que lhe revelou o segredo do poder de todos os bruxedos.

__Uma pessoa fica enfeitiçada quando se torna incapaz de amar. E, para isto, não existe nada mais forte que um espelho. O espelho faz com que as pessoas só se vejam a si mesmas. E quem só vê o próprio reflexo não consegue amar.
Adoece e morre. Narciso morreu assim, enfeitiçado por sua própria beleza, refletida na água da fonte. E foi a beleza da madrasta da Branca de Neve, refletida no espelho que a transformou de mulher linda em bruxa horrenda.
__Contra o feitiço do espelho existe um só remédio: é preciso redescobrir o amor. Ficar de novo apaixonado. Somente o amor tem poder suficiente para arrancar as pessoas de dentro da armadilha do espelho. Mas não há receitas...
Somente quem ama a pessoa enfeitiçada pode salvá-la....

A menina pensou que, talvez , as coisas que o Pássaro sempre amara, no passado teriam o poder para fazê-lo amar agora, no presente
E se lembrou da alegria que ele tinha nas frutas do pomar.
Trouxe-lhe então as mais queridas :caquis, pitangas, mangas romãs, jabuticabas, mexericas, aquelas que guardavam as memórias de infância escondida em sua carne.
Mas o Pássaro se recusou a comer. Não tinha fome de frutas. Sua boca estava amortecida. Como se não existisse.
Só tinha olhos, olhos que fitavam o espelho em busca de uma beleza perdida, ausente.

A menina não se deu por vencida. Resolveu tentar a sedução dos perfumes. Os perfumes são sutis: penetram fundo, nas profundezas da alma. Lembrou-se de que o Pássaro amava o cheiro bom das plantas. Foi então ao jardim e ali colheu flores de jasmim, de magnólia, de madressilva, da flor-do-imperador e as folhas de hortelã, manjericão, rosmaninho de alecrim...”Ah!”, ela pensava, “não existe bruxedo que resista aos perfumes.

Porque eles entram na alma, aonde nem mesmo os pensamentos e os olhares enfeitiçantes conseguem chegar...”

Mas o Pássaro também se tornara incapaz de sentir os perfumes. Ele era só olhos em busca de uma imagem perdida....
__Minha tristeza mora num lugar mais fundo que o lugar dos perfumes, ele explicou à Menina.
__Tenho...saudades de mim mesmo , daquilo que já fui. Procuro, no espelho,
Um rosto passado, um tempo perdido...E a tristeza e por isto, porque sei que não é possível reencontrar!
A Menina pensou, então, que a ciência poderia ajudar. Procurou médicos de perto e de longe, e voltou para casa carregada de pílulas e injeções(química), cheias de alegria.
Mas os milagres eram curtos e a alegria se ia tão depressa quanto chegara.
Mas a doença não é do corpo__ disse o Pássaro. __Ela mora na alma. Se eu não vôo,
Não é porque minhas asas ficaram fracas. Elas ficaram fracas porque não desejo mais voar. E quando o desejo se vai, vai-se também a alegria, e o corpo envelhece!
A menina, chorando, lhe pergunta:
__Mas não existe remédio algum para a tristeza?
__Sei que existe__disse o Pássaro, __ Mas num lugar muito longe (ou será num lugar muito perto?), que não sei onde é.

Mas para chegar lá, há de se saber voar.
Você já voou? __o Pássaro perguntou a menina
__Voar , eu? Sou uma menina, não tenho asas...
__Mas você já tem asas __ ele afirmou. __E nem se quer percebeu...É que as asas das meninas, diferente das asas das borboletas e dos pássaros, não são vistas com os olhos. São invisíveis...Só podem ser vistas com os olhos da imaginação!
A menina nunca havia pensado nisto, que um dia ela teria asas. Parecia tão absurdo! E, de repente, se lembrou...
... Um presente muitos anos atrás, que seu Pássaro lhe trouxera de uma de suas viagens: um pôster colorido, uma menina, com asas de borboleta, que leve voava sobre a superfície de um lago. E ela lhe perguntara, espantada:
-- Uma menina com asas?
E o Pássaro respondera:
-- Mas você nunca percebeu as asinhas que já começam a crescer em suas costas?
E os dois riram de felicidade.
Pois é: chegara o momento em que teria que começar a voar.
-- A quem devo procurar? – ela perguntou.
-- Procure aqueles que sabem voar: os poetas. Eles têm asas mágicas, feitas com palavras e se chamam poemas !...
E a Menina partiu em busca do remédio que faz retornar a alegria à alma, a fim de dar leveza ao corpo...
Encontrou um poeta e fez seu pedido. O poeta a olhou com um olhar de bondade e lhe disse:

-- Não posso atender seu pedido. Também eu estou procurando. Sabe por que sou poeta? Porque sinto em tudo só uma pitada de alegria. Mas ela se vai tão depressa, misturada à tristeza. Passa depressa como o Vento... Até um poeta já disse:

Leve, muito leve,
Um Vento passa ,
E vai-se sempre muito leve!...
Assim é a alegria....

Nós a cantamos, quando ela aparece. Bem que gostaríamos de sermos mágicos para chamá-la e distribuí-las pelo mundo... Mas não podemos ajudá-la! Quem sabe os monges... Eles têm asas de luz... Consta que descobriram o segredo da alegria!...
A Menina amou o poeta e até quis ficar com ele mais tempo. Mas lembrou-se de seu Pássaro... E continuou. Voou alto, muito alto, para o cume de uma montanha deserta e nevada, onde monges se dedicavam à busca de Deus.
-- Si, Menina, Deus é a suprema alegria. Por vezes a sentimos. Mas passa rápido, muito rápido. Como o sol que se pões. E nada há que possa detê-la. Passa rápido como a beleza do crepúsculo. Sabe porque fizemos o nosso mosteiro tão alto? Para que a alegria do pôr-do-sol demore um pouco mais. Queremos a beleza da luz que se vai, onde mora Deus, onde mora a alegria. Venha comigo!...

E tomando a menina pela mão levou-a até um templo, lugar sagrado... E a luz do crepúsculo filtrava-se pelos vitrais de muitas cores...
-- Veja como entra pelos vitrais. Como é suave esta alegria. Mas logo se vai e a noite chega. Com a noite vem a tristeza e o medo... Felizmente, com o nascer do sol, ela volta. O choro dura uma noite toda, mas a alegria vem pela manhã... Vivemos assim, entre a tristeza que vem e a alegria que foge... Não, Menina, não conseguimos prender a alegria. Só conseguimos aprender a cantar quando ela vem... Quem sabe os revolucionários, que desejam construir o paraíso sobre a terra. Eles têm asas de fogo!...
A Menina amou aqueles homens e achou lindo o que estavam fazendo, celebrando a luz que vem e que vai... Quis ficar. Mas havia um Pássaro triste, lá embaixo, que esperava por ela. Abriu suas asas e se foi, em busca dos revolucionários. Encontrou-os nas montanhas. Moravam nas alturas, não porque quisessem subir para as estrelas como os monges, mas porque queriam descer para os vales. Amavam a terra e por ela dariam suas vidas.
-- Como gostaria de ter a resposta para sua pergunta, Menina – disse um deles, de rosto enigmático, estranha combinação de dureza e ternura. – Sei o que tira a alegria. Os corpos famintos, perseguidos, sofridos, dos pobres e fracos – ah!, como é difícil que se alegrem! A fome, a dor, a doença, as injustiças são todas inimigas da alegria. E para ela queremos preparar o caminho: quebrar as espadas, queimar as botas, abrir as prisões, distribuir as terras, perdoar as dívidas... Isto nós sabemos fazer. Mas alegria é coisa mágica que vem de dentro, não de fora. O que fazemos é preparar a terra para que ela possa vir das funduras de onde mora. Ela mora no lugar dos sonhos, aonde os nossos não podem ir! Para ter alegria é preciso sonhar. Mas este segredo nós não sabemos. Talves os intérpretes de sonhos... Eles têm asas de luar!...

A Menina amou o rosto duro e terno daquele homem, admirou sua coragem, mas sentiu uma discreta tristeza em sua fala. Também ele não havia encontrado a alegria. Abriu suas asas... Já estava ficando cansada. E partiu em busca dos intérpretes dos sonhos.
Sonhos: como são estranhos... Aparecem à noite, quando dormimos. Vêm de muito fundo, lá onde moram nossos desejos adormecidos. Eles são entidades tímidas. Só aparecem com o brilho do luar...
-- Ah! Menina, você nos pergunta sobre o segredo da alegria. Sabemos que é nos sonhos que ela se realiza, como quando se espera a volta da pessoa amada. Antes é a saudade, o vazio. Depois o abraço. Alegria é isso: poder abraçar o que se ama. Mas é preciso primeiro saber, primeiro, o nome do que se ama. E é este nome que aparece, disfarçado, nos sonhos. Conte-nos os sonhos do seu Pássaro!
Mas o Pássaro havia parado de sonhar.
-- Então não podemos ajudá-la. Mas sabemos que os que sonham são os apaixonados. Eles têm asas feitas de saudade. Quem sabe eles lhe dirão o segredo!...
E a Menina partiu, triste. Já estava cansada, longe, muito longe de seu amado Pássaro... E pensou se não seria melhor estar com ele, em sua tristeza. E dentro dela a saudade foi crescendo, doendo, um desejo enorme de voltar...

Muito longe dali, o Pássaro se olhava no espelho e chorava os sinais do tempo gravados no seu rosto e a única coisa que via era sua própria imagem. De repente, entretanto, algo passou bem no fundo da sua alma, Como se fosse um Vento leve, bem leve; ou um raio de sol crepuscular; uma pequena chama de fogueira no frio das montanhas; um sonho bonito, em meio à noite... E ele se lembrou da Menina. Onde estaria ela? Deixou sobre a mesa o espelho e saiu “em busca das marcas da sua Ausência”, no perfume das flores, no gosto dos frutos, no quarto vazio... Havia, por todos os lugares, a presença da sua Ausência. E naquele corpo, por tanto tempo morto dentro do espelho, o Desejo cresceu, o rosto sorriu, as asas se abriram e o que era pesado voou...
Ressuscitou...
E cada um deles partiu, ignorando o que o outro fazia, em busca do reencontro...
O feitiço fora quebrado.
Estavam apaixonados.
Voavam leves, ao Vento, com as asas da saudade...
E ambos traziam, no brilho dos olhos, os sinais da juventude eterna que os anos não conseguem apagar... Porque os que estão apaixonados, não envelhecem jamais...

A menina eo pássaro encantado


Rubem Alves

Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo. Ele era um pássaro diferente de todos os demais: Era encantado. Os pássaros comuns, se a porta da gaiola estiver aberta, vão embora para nunca mais voltar.
Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades...
Suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava.
Certa vez, voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão.
"- Menina, eu venho de montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco de encanto que eu vi, como presente para você...".
E assim ele começava a cantar as canções e as estórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como fogo, penacho dourado na cabeça.
"... Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga.
Minhas penas ficaram como aquele sol e eu trago canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as estórias.
A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isso voltava sempre.
Mas chegava sempre uma hora de tristeza.
"- Tenho que ir", ele dizia.
"- Por favor não vá, fico tão triste, terei saudades e vou chorar....".
"- Eu também terei saudades", dizia o pássaro. "-- Eu também vou chorar.
Mas eu vou lhe contar um segredo: As plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios... E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera da volta, que faz com que minhas penas fiquem bonitas.
Se eu não for, não haverá saudades.
Eu deixarei de ser um pássaro encantado e você deixará de me amar.
Assim ele partiu. A menina sozinha, chorava de tristeza à noite, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa destas noites que ela teve uma idéia malvada.
"- Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá; será meu para sempre. Nunca mais terei saudades, e ficarei feliz".
Com estes pensamentos comprou uma linda gaiola, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera.
Finalmente ele chegou, maravilhoso, com suas novas cores, com estórias diferentes para contar.
Cansado da viagem, adormeceu.
Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Foi acordar de madrugada, com um gemido triste do pássaro.
"- Ah! Menina... Que é que você fez? Quebrou-se o encanto. Minhas penas ficarão feias e eu me esquecerei das estórias...".
Sem a saudade, o amor irá embora...
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas isto não aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ia ficando diferente.
Caíram suas plumas, os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio; deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava.
E de noite ela chorava pensando naquilo que havia feito ao seu amigo...
Até que não mais agüentou.
Abriu a porta da gaiola.
"- Pode ir, pássaro, volte quando quiser...".
"- Obrigado, menina. É, eu tenho que partir. É preciso partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro da gente. Sempre que você ficar com saudades, eu ficarei mais bonito.
Sempre que eu ficar com saudades, você ficará mais bonita. E você se enfeitará para me esperar...
E partiu. Voou que voou para lugares distantes. A menina contava os dias, e cada dia que passava a saudade crescia.
"- Que bom, pensava ela, meu pássaro está ficando encantado de novo...".
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos; e penteava seus cabelos, colocava flores nos vasos...
"- Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje...
Sem que ela percebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado como o pássaro.
Porque em algum lugar ele deveria estar voando. De algum lugar ele haveria de voltar.
AH! Mundo maravilhoso que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama...
E foi assim que ela, cada noite ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento.
- Quem sabe ele voltará amanhã....
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro